10/06/2008

Sentimento comunitário adormecido (minha crónica desta terça no Janeiro)

Esta semana, um amigo de longa data que havia regressado de uma breve estadia em Cuba, contava-me o que presenciara naquele país quanto à atitude dos locais. Disse-me, sabendo que morei alguns anos no Brasil: “Eles [os Cubanos] são ainda mais simpáticos que os brasileiros!”. Secundou esta frase afirmando referir-se à enorme dimensão da prática da solidariedade entre eles. Disse-me que amigos de ocasião lhe quiseram emprestar dinheiro para entrar numa discoteca, alegando que dividiriam o custo entre eles se necessário fosse. Dando outro exemplo, contou como para telefonar vários cubanos se dirigiam a casa de um vizinho de referência que, generosamente, permitia que partilhassem o seu telefone na vizinhança. Quem, dos leitores desta crónica, já tiver ido a Cuba, provavelmente poderá comprovar estas vivências. Pela minha parte, respondi ao meu bom amigo que, no Brasil, testemunhei os dois lados desta medalha: uma realidade digamos “cubana” e outra mais semelhante ao que vejo em Portugal e em grande parte da Europa, ou seja, a individualidade a tomar conta da sociedade. Pessoas que gostam de impôr a sua individualidade aos demais, através da ostentação de riqueza, da fama ou do estatuto, frequentando este ou aquele espaço como forma de diferenciação, recusando ajudas e recusando-se a dá-las. Navegando no mar destes raciocínios, evoquei a pequena cidade de São Bento do Sul, no Estado de Santa Catarina, cidade onde vivi e que ficará para sempre no meu coração, situada no coração de um Brasil de forte influência germânica. Na altura discutia-se o referendo sobre a proibição da comercialização de armas de fogo e munições que acabou por ter lugar em Outubro de 2005. Em São Bento do Sul, a generalidade das opiniões que ouvi eram contra a proibição. Porquê? Porque a cidade ficaria então entregue unicamente à mercê da polícia, quando os habitantes pretendiam também eles próprios cuidar da sua segurança e não depender unicamente das forças policiais. O sentimento comunitário falava nitidamente mais alto. A verdade é que, naquela cidade, raramente acontecia algum crime ou assalto que merecesse figurar em páginas de jornal mas, se algo acontecia, vários habitantes estavam dispostos a pegar nas suas armas e a perseguir os bandidos. A comunidade organizava-se e defendia-se. Será interessante saber que essa cidade de cerca de 50,000 habitantes, é das mais pacatas do Brasil e assim acontece ao longo de toda aquela região de influência germânica. Recordo-me de haver uma outra cidade, chamada Pomerode, que não possuía sequer (não sei se agora possui) uma delegacia de polícia por não registar ocorrências suficientes.São apenas exemplos mas a verdade é que uma sociedade, um país, uma cidade, um bairro ou uma equipa de futebol empobrecem enormemente quando desaparece a sua mentalidade colectiva e entregam-se muito mais à mercê do seu contexto externo. Hoje em dia, poucos em Portugal pertencerão a um grupo do seu bairro ou da sua cidade. O resultado está à vista a começar pela maior sujeira, menor segurança e falta de alegria dos nossos bairros e das nossas cidades. O individualismo e a ideia de que basta olhar para nós e para a nossa família e esquecer a comunidade em que estamos inseridos empobrece todo o país. Esperemos que isso possa mudar e que as pessoas se juntem com mais frequência para fazer coisas boas em conjunto.

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© Gonçalo Coelho