29/10/2007

História de uma Sereia (Ensaio)

Como as notas saltitantes, suadas e quentes de um belo jazz ou de uma bossa nova, ergo-me de uma vez, decidido a mergulhar. Corro, sacudindo um torrões de areia fina à minha passagem até penetrar na água morna e transparente, e aí fico o mais que posso. Quando, finalmente, a falta de ar me força a sair daquela placenta maravilhosa, daquele aconchego húmido, sou forçado a franzir o sobrolho já que o poderoso sol me bate em cheio nos olhos. Apenas consigo ver uma silhueta feminina esplêndida, digna da mais bela das sereia a mergulhar ao meu lado. Aguardo ansiosamente que ela se erga, que lhe falte também o ar depressa para que a possa mirar de novo e eis que ela emerge no seu corpo doirado de sereia. De sereia que seja feita pra mim, peço eu aos céus nesse instante. Eu já não tenho olhos para mais nada mas ela finge que não me vê, finge que não tem coração que é mais peixe do que mulher mas os meus olhos dizem o contrário, que ela 110% mulher. Ela tenta afastar-se com braçadas perfeitas e eu vou atrás. A certa altura ela olha para trás e quase decide parar mas prossegue no mesmo sentido. Se eu olhasse para trás com certeza veria que nos afastamos demais do mar, que coloco a minha vida em perigo, que o nadador salva-vidas já está a pegar no seu apito para me chamar, mas a minha mente está só nela, naquele corpo doirado, naquela garota de ipanema e sigo, sempre atrás dela. Só que, a certa altura, as forças faltam-me e ela começa a afastar-se, não dá parte de fraca. O único fraco sou eu de corpo e coração. Vejo-a olhar para trás e sorrir um sorriso maroto que me põe forte de novo, que me resgata as últimas forças do corpo. Seguir-te-ei onde for preciso sereia minha! Até aos confins deste oceano! Até que ela pára, olha para mim com um olhar terno e diz: “tolo, fui tua desde o início!”. Acordo em suores, a minha mulher está quase a dar-me uma bofetada na cara já que eu a preocupo com os meus espasmos oníricos, com as minhas ridículas poses de sonhador ali naquela cadeira de praia, uma caipirinha atirada ao chão e a minha mulher...é ela a minha sereia, claro! Dou-lhe um beijo profundo sentido e digo-lhe as palavras que, para ela não são mais do que delírios ridículos mas gostosos: “Vem aqui minha sereia!”.

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© Gonçalo Coelho